29 outubro, 2010

A DISCIPLINA DO AMOR


Foi na França, durante a segunda grande guerra: um jovem tinha um cachorro que todos os dias, pontualmente, ia esperá-lo voltar do trabalho. Postava-se na esquina, um pouco antes das seis da tarde. Assim que via o dono, ia correndo ao seu encontro e na maior alegria, acompanhava-o com seu passinho saltitante de volta à casa. A vila inteira já conhecia o cachorro e as pessoas que passavam faziam-lhe festinhas e ele correspondia, chegava a correr todo animado atrás dos mais íntimos. Para logo voltar atento ao seu posto e ali ficar sentado até o momento em que seu dono apontava lá longe. Mas eu avisei que o tempo era de guerra, o jovem foi convocado. Pensa que o cachorro deixou de esperá-lo? Continuou a ir diariamente até a esquina, fixo o olhar ansioso naquele único ponto, a orelha em pé, atenta ao menor ruído que pudesse indicar a presença do dono bem-amado. Assim que anoitecia, ele voltava para casa e levava sua vida normal de cachorro até chegar o dia seguinte. Então, disciplinadamente, como se tivesse um relógio preso à pata, voltava ao seu posto de espera. O jovem morreu num bombardeio mas no pequeno coração do cachorro não morreu a esperança. Quiseram prendê-lo, distraí-lo. Tudo em vão. Quando ia chegando aquela hora ele disparava para o compromisso assumido, todos os dias. Todos os dias. Com o passar dos anos (a memória dos homens!) as pessoas foram se esquecendo do jovem soldado que não voltou. Casou-se a noiva com um primo. Os familiares voltaram-se para outros familiares. Os amigos para outros amigos. Só o cachorro já velhíssimo (era jovem quando o jovem partiu) continuou a esperá-lo na sua esquina. As pessoas estranhavam, mas quem esse cachorro está esperando?... Uma tarde (era inverno) ele lá ficou, o focinho voltado para aquela direção.

               Lygia Fagundes Telles 


   Outro texto querido, de escritora idem. Quando assisti Sempre ao Seu Lado (Hachiko: A Dog's Story, 2009), veio-me imediatamente à lembrança esta pequena narrativa, que faz  parte do livro A Disciplina do Amor (Ed. Nova Fronteira), deliciosa mistura de contos, observações e confissões. Ou seja, o amor canino tem dessas coisas.

UM CÃO, APENAS


   Subidos, de ânimo leve e descansado passo, os quarenta degraus do jardim - plantas em flor, de cada lado; borboletas incertas; salpicos de luz no granito - eis-me no patamar. E a meus pés, no áspero capacho de coco, à frescura da cal do pórtico, um cãozinho triste interrompe o seu sono, levanta a cabeça e fita-me. É um triste cãozinho doente, como todo o corpo ferido; gastas, as mechas brancas do pêlo; o olhar dorido e profundo, com esse lustro de lágrima que há nos olhos das pessoas muito idosas. Com um grande esforço acaba de levantar-se. Eu não lhe digo nada; não faço nenhum gesto. Envergonha-me haver interrompido o seu sono. Se ele estava feliz ali, eu não devia ter chegado. Já que lhe faltavam tantas coisas, que ao menos dormisse: também os animais devem esquecer, enquanto dormem...
   Ele, porém, levantava-se e olhava-me. Levantava-se com a dificuldade dos nfermos graves: acomodando as patas da frente, o resto do corpo, sempre com os olhos em mim, como à espera de uma palavra ou de um gesto. Mas eu não o queria vexar nem oprimir. Gostaria de ocupar-me dele: chamar alguém, pedir-lhe que o examinasse, que receitasse, encaminhá-lo para um tratamento... Mas tudo é longe, meu Deus, tudo é tão longe. E era preciso passar. E ele estava na minha frente, inábil, como envergonhado de se achar tão sujo e doente, com o envelhecido olhar numa espécie de súplica.

14 outubro, 2010

LOVE CATS - The Cure

    

Algumas sugestões de leitura


A VIDA OCULTA DOS CÃES, de Elizabeth Marshall Thomas (Ediouro)
   Interessante relato sobre um estudo da consciência canina, desenvolvido a partir da convivência da autora com cães, lobos e dingos ao longo de trinta anos. Elizabeth, antropóloga e romancista, apresenta de maneira objetiva, mas sensível, o fruto de mais de 100.000 horas de observação do cotidiano de uma dúzia de animais.


A HISTÓRIA DE FERNÃO CAPELO GAIVOTA, de Richard Bach (Ed. Nórdica)
   Esse milhões já conhecem, porém nunca é demais indicar essa belíssima metáfora sobre a arte de viver a liberdade, a despeito de antigas convenções sociais, atrevendo-se a ultrapassar limites e obstáculos em busca da descoberta de si mesmo - o seu voo próprio. Um dos maiores best-sellers das últimas décadas, foi recusado por 18 editoras antes de ser publicado.

AVENTURAS DE UM CÃO DE CIRCO, de Jack London (Ediouro)
   Micael é um cão de caça irlandês que passa por muitas aventuras (agradáveis ou não), até tornar-se um astro no mundo do circo. Vale ressaltar que o escritor americano Jack London criou outras obras de ficção onde os animais representam personagens fortes, dignos de sobreviver às vicissitudes da vida. Destaque para O Chamado Selvagem, seu grande sucesso literário, e Caninos Brancos - ambos já adaptados para o cinema.

MORDIDAS QUE PODEM SER BEIJOS, de Walcyr Carrasco (Ed. Moderna)
   Uno of Karras é um husky siberiano que narra, com muito bom-humor, sua doce vida de cachorro, principalmente quando entra em cena Brigite, uma fêmea da raça pastor alemão, capa preta. A história foi provocada pelos próprios cães do autor (escritor, dramaturgo e autor de telenovelas), que emprestaram nome e raça aos personagens.


Por ora, basta. Logo indicarei outras leituras. Há ainda tantas e tantas!

Loucos e Santos